"Alguns tipos de bloguistas e como os tipos se entrelaçam
O aristocrata culto. Não se digna responder directamente a ninguém nem acusar ou defender directamente ninguém. É o que nunca nomeia os alvos. É o que nunca polemiza para nunca se rebaixar. É o que condescende. Cita muito os melhores estrangeiros e os mais inesperados portugueses, como se fossem propriedade dele. Só se dá com os seus pares, tão cultos como ele, e entretece com eles misteriosas relações de sociedade secreta. A sua encoberta e alusiva má-língua pode incomodar os mais sensíveis e os que não conhecem o meio. Tem vassalos e criadagem com quem nunca se linka mas a quem às vezes, generoso, dá as sobrecasacas e as botas de montar velhas. Deixa-se ler como quem se mostra no salon. Entre os aristocratas cultos destaca-se por vezes um duque ou uma duquesa vermelhos, patéticos, que bebem com o povo e se arruínam alegremente.
O escritor. Nada a dizer, somos todos. Uns poetas e trovadores, outros prosaicos e pensadores. Na moda: os mistos, que ainda acumulam com a crítica literária, a crítica de arte, o futebol, a política, a criação de pardais… Há o escritor mesmo, que tem o blog para depositar os despejos.
Os jornalistas. Puxam muito pela carteira profissional pois, com a tabloidização e o triste espectáculo noticioso que grassa por aí, bem precisam da carteira para lhes creditar as atoardas e as manobras. Há sempre as excepções, é claro, e neste tipo há bastantes.
Há os blogues femininos com as suas regras.
Há os individualistas individuais e os individualistas colectivos. Não conheço blog plural que sobreviva.
Os salvadores do mundo. Mal vistos em todo o lado, não se salvam.
Os puros políticos. Têm explicação para tudo, são tu cá tu lá com Belém e S. Bento, praticam a arte de erigir em peças de arte a banalidade e um certo mistério (eu sei que tu sabes que eu sei que ele sabe); dão-se muito com os aristocratas cultos. Se lhes pudéssemos atribuir cabelo dar-lhes-íamos um penteado à rogeiro. A sua mais patética ilusão é a de que o universo espera as suas crónicas com ansiedade. Uns são políticos orgânicos (ao serviço dos respectivos partidos ou capelas), outros «franco-atiradores» (aspas hesitantes).
Há os que não sabem ler nem escrever e pensam que o blog é uma playstation.
Há os guerreiros, janíçaros façanhudos, tribais, não vivem sem inimigos, têm por cabeça uma bola cheia de ar, por sensibilidade um cachecol bordado, por leitura uma bandeira, por alma uma cor. Para os da mesma cor não há bons nem maus, perdoam-se tudo.
Os gastrónomos. Bom proveito.
Os puros poetas. Não são para entender mas para fruir, e há quem os frua (eu). Basta-lhes um orgasmo semanal ou mesmo mensal.
Há o fura-vidas nervoso, um poço de truques, trampolineiro, fogareiro, sempre de olho aceso em quem lê quem, em quem comenta onde, saltitante, de patinhas levantadas e nariz no ar farejando o lado donde sopra o vento.
Há os locais: o transmontano rochoso, o ribatejano toureiro, o minhoto dançarinheiro, o ilhéu jardineiro, o alentejano sempre, enfim, o cidadão indignado porque o 25 de Abril não passou por ali e vai tudo para Lisboa.
Há os especialistas. Somos todos. Cuidado com eles porque são paradoxalmente eclécticos e metem-se em tudo. Há os especialistas em localização de aeroportos e logo a seguir em constituição de equipas de futebol imbatíveis.
Há os ocultos, chiu, não falemos deles.
Há os herméticos: o boneco estético, o maldito, o funcionário cansado de evidências. Angelicais ou nem tanto.
Os wikipedistas. Ou googlistas. Ignoram que já todo o bicho-careta vai à Wikipédia e lhes topa a erudição? Muito ligados aos Especialistas. Basta-lhes um clic e comentam o possível e o imaginário. Também conhecidos por técnicos do copy-past criativo. Muito, muito peritos em línguas.
Há os ordinários. Sempre em pé, fodem a torto e a direito aqui na Internet: menos o pai, a mãe e as irmãs. Sempre anónimos e tristes.
Há os incrivelmente badalhocos que nunca falam de sexo.
O bloguista sem blog. Especializou-se em comentários nos dos outros, com ou sem emoticons. Positivo: público passivo é que não há, isso é para a televisão.
Com comentários, sem comentários. Não são tipos, são estados de espírito. Os segundos não querem conversar com estranhos, é tudo. O subtipo dos que moderam os comentários (os medrosos), pelo que conheço, fá-lo sem espírito declarado de censura.
Há os que só aceitam comentários quando estes não passam de Muito bom!, Genial!, J, Schlap! Boa!, Lol!, Foda-se!
Há o bom-serás, pasmado para os ídolos, esforçando-se até à hérnia por acompanhar uma coisa que não compreende muito bem e… ah, se ele soubesse que esta coisa é quase nada. Todos lhe podem dizer de vez em quando «pcht cala-te!» e ele cala-se. É mão-de-obra barata muito bem aceite para dar serventia aos qualificados.
A plebe inculta que, de dicionário na mão, se esforça por alinhavar queixumes e revoltas como se escrevesse para a rubrica de cartas ao director: sem esperança. Dura pouco, primeiro porque a plebe é inculta mas não é parva, segundo porque isto aqui é como lá fora: ninguém ouve as vozes que mais precisam de ser ouvidas.
Os bateristas. Porque vivem dos bombos da festa: Castro, Chávez, Bush, Berardo, Benfica, Alegre, Lula, Sócrates e tudo o que se chame Santos… Só têm uma ideia ou duas, bem fixas, mas uma infinidade de jogos mentais e verbais. Lançam-lhes um nome e eles batem, batem, rufam. Crianças pequenas e perversas.
Os comunistas. Bons bateristas e bons para bombos. Já não existem mas é preciso acabar com eles. Os anticomunistas, idem.
Os aforistas. São breves, cansam pouco e, normalmente, não dão que pensar. Aforizam aquelas coisas e adeus boa-tarde. Mas se for a Agustina a condensar banalidades, ora bem, já é diferente. Talvez porque a convenção determina que ela é mesmo a grande escritora portuguesa da actualidade.
Há os que abusam do youtube.
As confrarias do elogio mútuo ou: as comadres. Que nome tão suave para o que elas perpetram.
Há os que se julgam no centro do mundo e que pensam que tudo o que sai no mais recôndito blog lhes diz respeito. Muito ligados às comadres e a outras agremiações que actuam em bandos ou aos casais.
Há os narcisistas com os seus espelhos dourados e luminosos de prostíbulo.
O génio. Nada a dizer, somos todos.
José Pacheco Pereira. Nada a dizer, mas devia ser ele a mandar porque foi ele que inventou os blogs.
O contador de histórias. Bem-vindo, bem-vindo.
O contador de visitas. Compulsivo. Passa por grandes desgostos mas também por grandes alegrias, porque isto da comunicação e do sucesso é mesmo assim. É dele que deriva a figura universal do Grande Acusador: «Tens razão mas, como vives no deserto, és camelo.»
Há as excepções.
Enfim, destes e daqueles todos temos um pouco, e quem disser o contrário é louco."
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