Thursday, December 22, 2005

Um presente de Natal



Deixo-vos aqui uma árvore de Natal de sonho, a do Rockefeller Center. em Nova York, gostava de vos deixar uma portuguesa,mas infelizmente só temos uma, grande árvore de Natal, como é de ferro ... não gosto.


" Sarasate"*

Há uma nota que vibra e voa para longe
E uma outra - a última -flui
No seu encalço - e estremece - escapa-se.
Oh, se eu pudesse chorar,
Como uma criança pelo seu brinquedo.

Ainda sentado - o júbilo torna-se estridor -
Os meus sentidos demoram-se a beber
O ar de um mundo ainda longínquo,
Um mundo que a minha inocente infância
Logo abraça com saudade.

O ar de um mundo invulgar,
Que noites a fio, em ímpeto ardente
Me mantém febril e preso no seu encanto -
A terra dos apátridas,
Este reino da arte, vermelho como o Sol

Herman Hesse
(6 de Dezembro de 1897)

* Pablo Martín Melitón de Sarasate y Navascuéz , violinista e compositor, nasceu em Pamplona a
10 de Março de 1844 morre em Biarritz em 1908

Wednesday, December 21, 2005

O Último Dia de Outono

Foto: Ilidio Pires


Deste-me a mão, para me ajudar a subir aquela rocha mais íngreme, mas valeu a pena a paisagem é de outro mundo, o Douro no Outono é algo digno de um filme.
Deixei-me ficar, juntei o meu corpo com o teu e fiquei ali, quieta, a contemplar a paisagem, em silêncio, escutando somente o ruído do rio, lá em baixo, e som do vento por entre as parreiras.
Pensava, em todo o caminho que percorrermos, no curto espaço de um mês, nunca pensei estar aqui, quando nos esbarramos literalmente na porta da livraria, trocámos umas pastas sem querer e tivemos que voltar a cruzar-nos para desfazer o erro, se não soubesse mais que isso, pensava que estávamos no centro de um enredo cinematográfico.
Convidaste-me para ir tomar café, e eu respondi-te que não bebia café, continuaste, sempre no bom caminho, e perguntaste-me se queria ir beber um chocolate quente então…e eu respondi-te que não bebia chocolate quente…e tu perguntas-te me, com razão, se eu ingeria algum tipo de bebidas, ao que eu te respondi secamente, um chá pode ser.
E foi a partir desse chá que tudo começou, depois fomos jantar, seguiu-se o teatro, o cinema e, de repente, a minha vida começou a habituar-se à tua companhia.
Começaram os longos passeios no parque, as confidências literárias, as gargalhadas junto ao mar, os passeios de bicicleta, e num espaço de duas semanas a minha vida tornou-se completamente siamesa da tua, o que me assustou, na realidade ainda me assusta.
Não gosto de companhia, nunca gostei, sempre fui e quis ser orgulhosamente só, demorei a compreender o que se estava a passar comigo. Depois percebi, a tua solidão encaixava-se completamente na minha solidão, eu na realidade continuava a mesma, apenas compartilhava um mesmo estado e senti-me bem com isso.
E aqui estou eu, aconchegada pelos teus braços a observar um rio que corre sempre na mesma direcção, sem se perguntar porquê, e se calhar nós devíamos fazer o mesmo, afinal de contas, mais cedo ou mais tarde desagua mos todos no mar.

Tuesday, December 20, 2005

Um pequeno esboço da Cultura Maori



Tive o meu primeiro contacto, com a cultura Maori, em Agosto de 2000, através de um belíssimo cd de Kiri Te Kanawa chamado “Maori Songs”, apaixonei-me pela sonoridade produzida por este povo, desde então tenho dado alguma atenção a esta cultura posicionada nos nossos antípodas e entre nós tão desconhecida, excepção feita aos amantes de Rugby que têm a referência do Haka (canto de guerra) cantado no início de cada jogo da selecção neo-zelandesa.

Deixo-vos, então aqui, alguns traços da cultura Maori que espero que vos encante tanto como a mim.


Com origem na Mongólia, em 1200 A.C. a população da Nova Guiné começou a sua peregrinação pelas ilhas do Pacífico dando origem a dois povos os Maori e os Moriori.
Os ascendentes dos Maori, sediaram-se na “Aotearoa” – Terra da Grande Nuvem Branca (Nova Zelândia), o que lhes permitiu manter e aumentar a divisão do trabalho, criando uma casta guerreira que se envolvia regularmente em guerras inter-tribais.

Em 1835, novecentos Maori, rumaram para as ilhas Chatam, a 800 km de “Aotearoa”, ilhas então habitadas pelos Moriori, que após alguma resistência foram subjugados e escravizados pelos primeiros.
Mas os Maori espalharam-se por toda a Polinésia, existem inclusivamente semelhanças nos hábitos, costumes e alguns vocábulos do Hawaii às Marquesas, Polinésia Francesa e Ilhas Cook, fruto dessa migração.

Os primeiros europeus chegam a ilha em 1820, mas só em 1840, após diversas lutas e guerras entre brancos e Maori, foi assinado o Tratado de Waitangi, celebrando a paz entre os dois povos. Após o tratado o povo Maori, ficou restrito a áreas isoladas por sua própria vontade, facto que apenas muda já perto do início do século XX.


Maoritanga - Cultura Maori

Existem várias lendas e histórias, relativas às tradições do povo Maori, como por exemplo a da criação do mundo: Panginui, o pai céu, e Papawanuku, a mãe terra, tiveram um filho Tane, criador de todas as criaturas. Outra lenda diz que os Maori são descendentes de Deus e os seus ancestrais partiram de Hawaikii em canoas e cruzaram o Oceano Pacifico – Te Mona Nui a Kiwa.

A Arte Maori está intimamente associada à paisagem e ambiente de “Aotearoa”

A dança tem um papel fulcral para o jovem guerreiro, visto que é um ponto de partida para a luta contra inimigos imaginários. Trata-se de uma dança, onde são preponderantes factores como a elasticidade e o manejamento de clavas, acrescidas da tradicional careta, em que expõem toda a língua, que tem como intenção intimidar o inimigo.

A Escultura Maori pode ser efectuada em Madeira, Osso e “Pounamu”, conta a história da tribo e dos seus antepassados mitológicos, mas que também tem uma utilidade prática como fazer waka (canoas), armas e instrumentos musicais.

A Escultura em Osso (tradicionalmente em Osso de Baleia, embora hoje em dia seja mais comum a utilização do Osso de Vaca) é outra forma importante da Arte Maori, utilizada como adorno, toma várias formas com diferentes significados:

- Hei Matau (anzol) – esta forma representa o mito de Maui. Maui pescava na Ilha do Norte usando um anzol feito com o queixo da sua avó, este anzol representa, desde então, o poder e influência dos antepassados. O Hei Matau é considerado um talismã que dá boa sorte e protecção durante as viagens.

- Koru – o Koru significa vida nova e regeneração, mas também eternidade e harmonia entre os povos.

- Manaia – este tipo de escultura representa os seres míticos com o mesmo nome, estes seres tem corpo humano e cabeça de pássaro. São considerados guardiões contra o mal.

- Tiki – baseados em figuras mitológicas.

A Escultura Pounamu (em Jade ou Pedra Verde) é extremamente difícil de esculpir, tendo por isso enorme valor entre os Maori, as suas formas mais comuns são jóias e armas.
As esculturas Pounamu herdaram as suas próprias histórias ao longo do tempo, e são conhecidas como Taonga (objectos acarinhados).




A diversidade cultural Maori encontra-se bastante presente na sociedade Neo-Zelandesa, actualmente, ao contrário do que acontece com os aborígenes na Austrália
Esta cultura tem um peso em quase todos os quadrantes de actividade, mas a maior evolução foi no sector da educação com um aumento bastante significativo de população Maori que frequenta a Universidade.
A Língua Maori, apesar de ser só usada em cerimónias tribais, é uma língua oficial juntamente com o Inglês.


Fica aqui uma pequena introdução a cultura Maori, num próximo post tentarei fazer uma aproximação a música Maori. Espero que seja um tema do vosso agrado.

Friday, December 16, 2005

Figueira da Foz por Cunha Rocha




Fica aqui o retrato da minha cidade preferida, pelo pincel de um pintor cujo trabalho adoro, Cunha Rocha.

Vinicius Moraes

O meu poema preferido de Vinicius de Moraes


Soneto do amor total


"Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude. "



Confesso que não entendo o que leva o cérebro humano a tal entrega, as palavras são muito fortes e sentidas, adoro este poema, mas esta força de sentimento ultrapassa-me.

Wednesday, December 07, 2005

Compositor Português ganha prémio Internacional de Composição

O compositor português, João Pedro Oliveira, está de parabéns ao ter vencido ,o Concurso Internacional de Música Nova de Praga, na categoria de obras para instrumento e sons electroacústicos, com “A Escada Estreita” para Flauta e Sons Electroacústicos escrita em 1999.
O compositor, ganhou também, o segundo prémio com “Time Spell” no Concurso Internacional de Música Electroacústica de São Paulo. A obra, escrita em 2003, para clarinete e sons acústicos em seis canais, irá ser editada em CD como prémio resultante do Concurso.
Igualmente de parabéns está a eslovaca Petra Bachratá, de momento a residir em Portugal, pelo primeiro prémio no Concurso Internacional de Praga, com “Nunataq”, na categoria de electroacústica pura, esta obra faz parte do projecto de Doutoramento da eslovaca na Universidade de Aveiro.

Thursday, November 17, 2005

Casa do Passal - Aristides Sousa Mendes

Através de um comentário ao post anterior, fui tentar descobrir a realidade da Casa do Passal e deparei- me com um triste cenário, mais um marco da nossa história está prestes a desaparecer diante dos nossos olhos, sem que ninguém faça nada para impedir.
Não vos vou relatar os factos da vida de Aristites Sousa Mendes, até porque, descobri que já existem diversos "blog" a abordar esse assunto.
Mas pergunto-me se em vez de bustos, concertos de homenagem, nomes de rua,etc, se o melhor tributo a este Homem não seria restaurar a casa que ele construiu para albergar a sua enorme familia ( teve 14 filhos) e familias inteiras de Judeus, cuja vida ajudou a salvar.
Não deveria aquela bonita casa ser considerado um monumento do Anti-Holocausto, ou até mesmo Património Histórico da Humanidade?
Aristide Sousa Mendes morreu na miséria apesar da sua infinita generosidade, não seria altura de alguém a retribuir preservando a sua memória, ou até mesmo usando a Casa do Passal como um Museu, que contasse esta magnifica história de coragem às futuras gerações.
Com tantos Batmans e Superhomens a povoar o imaginário infantil seria bem melhor que os substituissem por herois de verdade.

Sites e Blogs relacionados:

www.ipv.pt/millenium25/26_16htm
www.vidaslusofonas.pt/sousa_mendes.htm
www.sopadenabos.blogspot.com
www.sousamendes.blogspot.com
www.antoniopovinho.blogspot.com/2005/10/cabanas-de-viriato-e-casa-do-passal.html


MT

Tuesday, November 15, 2005

Uma Frase Bonita

Peço desde já desculpas, a Sérgio Azevedo, mas vou utilizar uma frase que vi no seu blog, no artigo:""A música em tempos de cólera" - discurso feito no concerto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes "

"Nenhum homem é uma ILHA isolada
cada homem é uma partícula do CONTINENTE,
uma parte da TERRA se um TORRÃO é arrastado para o MAR,
a EUROPA fica diminuída,
como se fosse um PROMONTÓRIO,
como se fosse a CASA dos teus AMIGOS ou a TUA PRÓPRIA,
a MORTE de qualquer homem diminui-me,
porque sou parte do GÉNERO HUMANO.
E por isso não perguntes porquem os SINOS dobram
eles dobram por ti."

John Donne


Depois disto, nada mais a para dizer, as próprias palavras sentem-se envergonhadas.

MT

Wednesday, November 09, 2005

Cultura Galaico-Portuguesa III

Eventos Comuns


Primavera

A Primavera é a estación do ano en que a Natureza esperta e na que se inician
todos os procesos vitais.

O carnaval é un elemento esencial do patrimonio
inmaterial, con características comúns que o tornan
único e singular no ámbito etnográfico.

Os Maios reflicten a importancia da botánica
popular, e levan asociados importantes elementos
inmateriais como coplas e cantigas.

O contacto de galegos e portugueses cun medio
natural
forte propicia unha visón panteísta da
natureza. A institución do monte comunal, por
exemplo, reflicte un aproveitamento colectivo dos
recursos naturais, o mesmo que acontece nas
comunidades pescadoras.

As Cocas de vilas galegas e portuguesas son un bo
exemplo de manifestación común idéntica, asociada
a un rico patrimonio inmaterial de Mitos e Lendas
populares.

Nas artes da pesca obsérvase un importante
coñecemento do medio natural e dos seres vivos
marítimos.

O traballo da muller, presente en todas as
actividades tradicionais, ten un gran destaque no
marisqueo ou na apaña do argazo. Símbolos como o
da cuncha xacobea ou os búzios son característicos
do noso imaxinario colectivo.

A lamprea constitue un exemplo dun produto
natural específico desta rexión, con formas
culinarias e gastronómicas que realzan a identidade
común.

Verão

No verán prodúcese o momento culminante do ciclo solar e tamén, polo tanto,
englóbanse nel todas as manifestacións de carácter festivo, lúdico e de lecer.

A festa de San Xoán é unha celebración ligada
directamente ao ciclo solar cunha forte
implantación no imaxinario colectivo e uns
interesantes compoñentes de botánica tradicional.

As romarías e as procesións marítimas ilustran as
intensas relacións marítimas presentes desde
sempre entre ambos pobos. A toponímia marítimocosteira
é un elemento importante do acervo
cultural inmaterial.

A variada tipoloxía de embarcacións tradicionais
ilustran as semellanzas e a excelencia técnica das
formas de construcción e navegación tradicionais,
con importantes elementos inmateriais como a
nomenclatura dos compoñentes e a simboloxía
asociada, por exemplo, coas marcas de construtor
ou marcas poveiras.

Tanto no mundo rural como no mundo urbano
prodúcese unha forte participación popular nestas
formas comunitarias de diversión, lecer e
relixiosidade tradicional, cunha forte carga
identitaria asociada co poboamento disperso
agrupado en freguesias ou parroquias de orixe
precristiá.

A música tradicional traduce unha excelencia nos
oficios, tanto no propio dos músicos como no dos
construtores de instrumentos tradicionais, co orixe
no fondo dos tempos.

Directamente asociadas coa música están as danzas
propias que constitúen unha marca de identidade
colectiva que permanece en moitos lugares do
mundo con presenza da emigración galegoportuguesa.
Cada danza presenta, á súa vez,
variadas e interesantes características locais.
Denominadas tamén Cantares ao Desafio,
Despiques ou Desgarradas, son un elemento
fundamental en perigo de desaparición inminente
en Galiza. Maniféstase nelas a retórica popular, a
ironía ou "retranca", con raíces situadas nas propias
cantigas de escarnio e maldizer dos trobadores e
xograres medievais.

Outono

Na estación do Outono prodúcese a recolla dos produtos ofrecidos pola Nai
Natureza, actividades nas cales se produce un rico e variado patrimonio de
carácter inmaterial.

A vendima ou os lagares de aceite, son exemplos
destes eventos colectivos, asociados a múltiples
espresións culturais.

As transformacións secundarias, como a destilación
dos bagazos
, fomentan a transmisión oral, asociada
con formas de maxia e crenzas, da que son exemplo
os esconxuros da queimada.

O liño é un exemplo de cultivo tradicional en perigo
de desaparición que se pretende revitalizar asociado
coas modernas tecnoloxías nun xeito de
desenvolvemento sustentábel.

O millo, cultivo de introdución tardía, é un exemplo
da capacidade de adaptación ás mudanzas e a
incorporación nestes de novos elementos
patrimoniais , como as esfolladas ou os seráns.

A castaña, produto natural característico da rexión,
produce manifestacións culturais comúns e propias
como é o caso do magosto.

O carro de bois, elemento de transporte terrestre
por excelencia, incorpora oficios como o do
construtor e o de arrieiro, interesante nomenclatura
propia e os coñecementos propios do cuidado dos
animais.

Inverno

O inverno é a estación final do ciclo anual, na que se engloban as
transformacións finais dos produtos de orixe natural.

O tear do liño e os bordados son exemplos da
importancia e excelencia do traballo da muller.

Os encaixes ou rendas de bilros constitúen mostras
da comunidade cultural existente, que xa se
converteu nun intenso proceso de transmisións
patrimonial ás xeracións máis novas.

O traxe tradicional constitúe un elemento de
excepcional elaboración e requinte, cunha variada e
rica simboloxía nas formas e cores e nos
ornamentos, produto dunha tradición que data da
época castrexa.

Artesanía popular maniféstase a enorme
polivalencia do mundo rural tradicional, ligado a
unha grande auto-suficiencia.

Os múltiples e variados ofícios asociados con
produtos naturais ofrecen a excelencia das súas
realizacións e o patrimonio oral das linguas propias
ou falas gremiais.

In:www.opatrimonio.org

Cultura Galaico-Portuguesa II


Cultura Común

"Esta candidatura abranxe o conxunto do patrimonio cultural común a Galiza e a Portugal. Unha cultura común que asenta as súas raízes na prehistoria e que se mantén aínda viva por enriba das fronteiras entre os dous países que presentan esta candidatura, Portugal e España.
A cultura tradicional galego-portuguesa presenta unha unidade e unhas semellanzas que evidencian que a cultura común mantivo unha identificación coa comunidade obstinadamente fiel ao pasado e que debido ás rápidas mudanzas sociais corre perigo de desaparecer.
Este patrimonio inmaterial ten a súa orixe na rexión denominada "Gallaecia" a través dos romanos, e posteriores eventos históricos fan que teña unha intensa presenza en todo o territorio do país que é actualmente Portugal, así como noutras partes do mundo debido a fenómenos de colonización e emigración.
Onde máis claramente se visibilizan os elementos do patrimonio inmaterial galego-portugués é nas distintas fases do ciclo anual, representadas de maneira simbólica polas catro estacións do ano. Sen esquecer que manifestacións orais como a lingua, os cantares, os oficios, a música, as danzas e o universo festivo e ritual teñen unha presenza constante nas dúas comunidades ao longo do ano enteiro.
Esta cultura común mantén formas de excelencia que abarcan boa parte das manifestacións profundamente asentadas na poboación e no territorio, como a existencia de actividades de tipo comunitario ligadas aos montes, a gandería ou a prácticas agrarias ou marítimas."
In:www.opatrimonio.or

Cultura Galaico-Portuguesa I

História Comum



"Do ponto de vista histórico estas terras do Noroeste Peninsular possuíram traços de cultura comum durante milénios. Assim, em quase toda a área geográfica estendeu-se a cultura megalítica no terceiro milénio antes de Cristo, que foi seguida pela chamada cultura do vaso campaniforme, a qual pressupõe o começo da metalurgia do ouro e cobre e um limiar para as influências do bronze mediterrâneo e atlântico ao longo do segundo milénio a. de C. e começos do primeiro.
Por outro lado o noroeste peninsular é uma região onde o céltico, pelas razões de mútua apropriação anteriormente apresentadas, deixa de ser o específico céltico, comum a outras regiões, para ser uma outra cultura muito própria, elemento analítico para a compreensão das suas expressões de organização social, processos rituais, mundo simbólico e mesmo de cultura material, de que os castros são exemplo acabado.
Conhecem-se restos de mais de cinco mil, alguns escavados, como Carvalhelhos, Briteiros e Sobroso em Portugal, ou Sta. Trega, Baroña, Castromao e Viladonga, na Galiza. Esta cultura, própria de povos chamados galaicos pelos escritores clássicos, é fruto de influências céltico-indo-europeias e também mediterrâneas, que se somaram ao substracto local.
Quando se refere o mundo simbólico, a marca do mundo céltico é normalmente invocada. No entanto, obsessão etnogenética da maior parte dos estudos que referem os celtas como uma unidade identitária, explicativa da cultura do noroeste peninsular, se num primeiro momento sobrevalorizou esta referencia para legitimar uma uniformidade na cultura desta região, num segundo, provocou uma forte critica e encarniçada oposição de grande parte da comunidade científica.
Para além das questões científicas, já de si polémicas, outras, como as políticas, deram azo a interpretações parciais nacionalistas, como o caso do Estado Novo em Portugal e do Governo Franquista em Espanha, que prejudicaram uma abordagem serena da questão.
Antes de qualquer formulação teórica importa entender o que queremos afirmar por céltico e por "celtas", pois talvez os pressupostos tenham inviabilizado aproximações científicas ao problema.
Qualquer aproximação ao estudo da questão celta no noroeste peninsular deve ultrapassar a dimensão arqueológica ou até a linguística, para ser feita através de uma complexidade de campos de análise que, cremos, define a especificidade da cultura desta região. A celticidade do noroeste peninsular faz-se com a prevalência de mútuas interferências provocadas pelo contacto de um substrato proto-celta com os novos grupos que aqui chegaram, sendo que se inicia assim uma mútua apropriação cultural que caracteriza a diversidade e complexidade da realidade celta, tanto a nível geográfico como cronológico.
Para alem de qualquer polémica, é indesmentível a prevalência das componentes célticas na língua, seja qual for o nível e o momento da relação entre a língua lusitana e a celta, o que configura uma relativa identidade linguística nos territórios da antiga Gallaecia.
Mas mais do que o dado linguístico, de si próprio importante, foi a confluência de povos e de culturas que se deixou plasmar por um padrão de residência e por uma organização social impostos pelas limitações económicas e ecológicas da região.
É a este conjunto de particularidades que se pode atribuir uma identidade própria, uma cultura, que os romanos reconheceram numa Gallaecia pluri-étnica, variada nas línguas e nos povos, mas unitária como território culturalmente identificado.Esta Gallaecia criada pelos romanos, abrangia as terras da Galiza, do Norte de Portugal, das Astúrias e Leão, contando com cidades como Lucus Augusti (Lugo) na actual Galiza, Brácara Augusta (Braga) no Norte de Portugal, e Astúrica Augusta (Astorga) em Leão.
A influência da administração, da língua e da religião transmitida pelos romanos, assim como novas técnicas de trabalho agrário, foi fundamental, também aqui.
A pegada de Roma fizera-se sentir em diversas manifestações culturais que chegaram até tempos recentes, entre as quais se podem destacar o começo duma cristianização do Noroeste, com pontuais peculiaridades, como o movimento priscilianista nos séculos IV-V, e uma lenta latinização que desembocará, com o passar do tempo, na aparição de línguas neo-latinas entre as quais surge a língua galaico-portuguesa medieval.
Contudo, o certo é que esta influência, bem como a dos Suevos (com capital nesta região) e a dos Visigodos, pouco alterou o mundo construído por povos pre-indo-europeus e indo-europeus, Celtas e Iberos, e readaptado pela cultura da alta Idade Media.
Numa região com tradicionais dificuldades de se organizar à volta de fortes estruturas urbanas, e onde a prevalência de economia agrária, apesar de não encontrar muitos espaços de excelência para se desenvolver, criou comunidades que tiveram que desenvolver uma relação especial com a natureza para negociar a sua sobrevivência, onde a economia agro-pastoril predominou e a exploração dos recursos marítimos foi sempre uma alternativa, desde tempos imemoriais, como demonstram os desperdícios alimentares de alguns castros.
A desorganização do império romano no seu declínio, as constantes quezílias durante a ocupação sueva e visigótica e a nunca consolidada ocupação muçulmana -região considerada pelos berberes pobre e sem interesse de tal forma que abandonaram as suas posições fortificadas e nunca mais as ocuparam- fizeram com que esta região do noroeste peninsular perdesse as relações com centros administrativos estáveis, e desse origem a comunidades rurais que privilegiaram os vínculos de solidariedade parental e vicinal, regressando a práticas arcaicas de subsistência.
São estas marcas de uma natureza difícil mas acolhedora e em luta constante com as aspirações dos humanos, de uma sociedade baseada em comunidades fortemente unidas por laços de parentesco e de vizinhança, de que os "conselhos" transmontanos são testemunho, desconhecendo a autoridade centralizadora e desconfiada do espaço urbano, que definem a cultura desta região e que se espelham na sua tradição oral.
Diferentemente do que aconteceu no centro e sul da Península, aqui sobreviveu, no século VIII e seguintes, uma cultura romano-cristã que permitiu a um investigador e pensador galego, Vicente Risco, definir o homem galaico como um homo infimae latinitatis.
Os vínculos com a Europa cristã reforçaram-se, também, com a "invenção" do sepulcro do Apóstolo Santiago, em Compostela a partir de começos do século IX, fenómeno que perdura nos séculos seguintes e que implica uma estreita relação com outros povos europeus situados além dos Pirinéus, o que reflectirá em lendas da tradição oral, nomeadamente nos romances.
Podemos, em geral, afirmar, que, apesar dos ligeiros matizes locais, a unidade cultural e política representada pela velha Gallaecia é um facto até ao século XII.
A partir desta data, contudo, começa uma lenta, mas contínua, divergência de base política entre as terras situadas ao Norte e ao Sul do Minho.Enquanto que a Galiza, quer dizer, a parte setentrional do conjunto, fica submetida à monarquia leonesacastelhana, Portugal constitui-se como reino independente, sob o monarca Afonso Henriques e os seus sucessores, produzindo-se, ainda por cima, uma deslocação dos centros de poder em direcção ao Sul, Coimbra e Lisboa, a partir dos quais irradiaram peculiaridades culturais geradoras de pequenas diferenças, por exemplo na língua, e, sobretudo, contribuindo para desenvolver sentimentos de dependência e de posse distintos.
Os dados anteriores permitem-nos estabelecer uma diferenciação entre a Galiza e o Norte de Portugal no que a dependências políticas se refere, assim como reconhecer que os dois territórios dependeram duma "cultura de Estado" diferente. Mas é preciso advertir que, até ao século XIX, tanto o estado português como o espanhol eram estados pre- ou proto-nacionais, fruto de concepções patrimoniais dos respectivos monarcas, e, portanto, não tenderam a criar uma uniformidade cultural nas camadas populares da população, formadas especialmente por camponeses, artesãos e marinheiros, o que facilitou a permanência de formas de cultura tradicional com grandes semelhanças nos dois lados do Minho e da raia seca das terras mais orientais.
Com posterioridade, a partir do século XIX avançado, a lenta implantação de estados nacional-liberais em Espanha e em Portugal provocou o aparecimento de políticas encaminhadas a consolidar um espaço nacional uniforme, como sucede noutras zonas da Europa. Mas deve ter-se em atenção que estes dois estados sofreram duma debilidade crónica que os impediu de consumarem, plenamente, os seus desejos de criar uma cidadania com cultura uniforme de estado.
As contingências da História, que se acabam de referir, fizeram com que o Noroeste Peninsular se caracterizasse por uma forte sociedade rural, de que as manifestações culturais são o seu espelho mais seguro.
A rica lírica galaico-portuguesa dos séculos XIII e XIV foi escrita numa língua cortesã comum, com base numa tradição popular de carácter oral, a autores galegos e portugueses mas, pouco a pouco, num longo processo que chega até aos nossos dias, os traços comuns convivirão com divergências, o que permite considerar o galego e o português como línguas muito próximas, mais diferenciáveis.
A literatura galaico-portuguesa encontra formas de erudição e lugar nas elites, mas é a Tradição Oral a máxima expressão do sentir e do agir desta região. Ela interpreta o mundo natural de onde nasce; ela expressa os sentimentos daqueles que nele labutam e nele se transcendem. E não é por acaso que nela subsistem ainda, enquanto linguagem do povo, traços comuns de língua dos dois lados da fronteira, como é o caso na Baixa Límia (Galiza) e em Castro Laboreiro (Portugal).
A deficiente escolarização favoreceu a conservação duma cultura de transmissão oral e de carácter muito local tanto no que se refere ao aproveitamento do meio natural como à organização social ou ao universo crencial-simbólico e criativo. Um brilhante grupo de arqueólogos, linguistas, literatos, historiadores e etnógrafos/folcloristas, com figuras como Teófilo Braga, Leite de Vasconcelos, Mantíns Sarmento, Coelho, Vieira Braga, J. Dias, etc. em Portugal, ou Manuel Murguía e os membros do Seminario de Estudos Galegos na Galiza dão-nos conta da cultura passada e presente das camadas populares para documentar formas culturais que estavam a ser debilitadas pela acção conjunta das respectivas culturas de estado e das inovações tecnológicas.Ainda que os princípios por eles defendidos possam ser interpretados como mostras de conservadorismo, é preciso reconhecer que graças ao seu esforço podemos avaliar manifestações singulares que devem ser conservadas, dentro do possível, e até reactivadas para dar resposta às ameaças da globalização indiscriminada própria dos nossos tempos.
Só a prevalência dos modelos de organização social e económica, dos processos rituais e de um consequente mundo simbólico, possíveis pela especificidade ecológica da região, a sua história política e económica, justificam uma consciência de pertença por parte das comunidades aqui residentes a uma comum referência cultural, por mais variadas que sejam no presente as respectivas práticas sociais.
Mas essa consciência reforça-se quando os actores sociais tomam conhecimento de comuns características linguísticas e de um mundo simbólico muito próximo, verificado nas experiências da "Ponte … nas Ondas!", de que a cultura oral é máxima expressão.
Num mundo em transformação, onde as imposições ecológicas, económicas e políticas do passado já não se fazem sentir, a prevalência desta Tradição Oral está em risco, e a riqueza simbólica de gerações de mulheres e de homens que a viveram pode desaparecer.
No entanto, o propósito da valorização e da proclamação desta Tradição Oral não assume os contornos que no passado mais recente as teses folcloristas nacionalistas procuravam: celebrar uma pureza original, um "povo" que deve ser preservado de toda a modernidade e seja conforme aos ditames de um ideal ideológico que, pretensamente defensor de uma verdade cultural e étnica, se transforma numa escravatura da identidade perdida.
Este património é excepcional porque é a consubstanciação de uma vivência extraordinária de comunidades humanas entre uma natureza difícil e circunstâncias históricas originais, e que o faz com riqueza literária e imaginária inexcedível e sentido oportuníssimo.
Trata-se de um Património onde os temas da natureza, do amor, do trabalho, do bem e do mal, da fortuna e da desgraça, da descoberta e da admiração pelo mágico e fantástico e, de uma forma particular, pelo papel original e central que nele ocupa a mulher.
Nos contos, lendas, quadras alusivas ao trabalho, ao amor, aos santos, no sarcasmo das queimas de Judas e das festas dos rapazes, na ironia das cantigas ao desafio e nas outras cantigas, de que os nossos cancioneiros populares são exemplo, está todo o mundo cultural do Noroeste Peninsular.
Este é um património que os habitantes desta região assumem como seu, definidor de uma pertença comum entre outras tantas a que cada grupo se agrega.
Declará-lo Património da Humanidade é afirmar não só a sua excepcionalidade, a sua extraordinária criação e perseverança ao longo dos séculos, como querer partilhá-lo com a comunidade humana que habita o globo terrestre.
Sendo no passado muito frequente nas práticas quotidianas dos habitantes desta região, durante o seu trabalho e as suas festas, acompanhando os ciclos agrários e as romarias, agregando-se às profissões e aos artesãos, invocando a sorte e fortuna ou prevendo a desgraça e temendo o mal, esta Tradição Oral, dadas as transformações do mundo rural, prevalece hoje em pequenos apontamentos do quotidiano e deixa-se ainda revelar em ocasiões mais festivas, momentos de excepção, ligada ao canto e às danças ou, num assombro de celebração da natureza, nos rituais dos ciclos festivos e dos ciclos naturais.No quotidiano surgem os provérbios e os aforismos, as rezas, as descrições e prescrições da medicina tradicional, como se encontra no Barroso, a classificação do trabalho e das lides profissionais.
Ao sentido do quotidiano acrescenta-se o sentido do ciclo agrário e dos acontecimentos que ele proporciona: as sementeiras, colheitas e as malhadas.
Para toda a ocasião o Nordestino tem uma cantiga, para todo o trabalho uma reflexão rimada, para toda gesta um romance e para qualquer circunstância da vida um refrão.
Economistas, historiadores, sociólogos e antropólogos costumam estabelecer um horizonte de referência para fixar o começo duma crise irreversível no velho sistema cultural da Galiza e do norte de Portugal.
Apesar dos diversos antecedentes que anunciam esta crise, é na década de sessenta, do século XX, quando se produz uma emigração massiva junto com transformações demográficas intensas, tecnificação das explorações agrárias sobreviventes e das actividades pesqueiras, vulgarização de produtos industriais, acesso generalizado à cultura letrada e aos meios de comunicação, ou novas formas de família e de divertimento. Neste contexto as formas de cultura oral desaparecem ou sobrevivem na memória dos mais velhos, ou em circunstâncias em que as estratégias adaptativas à nova situação permitem conservar velhas técnicas, habilidades e celebrações que mantêm formas tradicionais ou atingem novos significados sociais, como, por exemplo, a de serem elevadas a símbolo de identidade local, galega ou portuguesa.
Por outro lado, o factor migratório, comum a ambas as comunidades e explicável pela deficiente economia agrária, é um fenómeno que tem a sua origem a partir de meados do século XIX e persistente ainda hoje. A emigração e a colonização levou a que esta cultura oral faça parte do património de países como o Brasil, Angola, Moçambique, Cuba ou Argentina.
Uma questão que valoriza de maneira especial esta candidatura é a referida à nova situação desta área geocultural como consequência da incorporação na União Europeia. Com efeito, se a Galiza girou na órbita do Estado Espanhol, e as terras situadas entre o Minho e o Douro fizeram o mesmo em relação ao Estado Português, agora começa a desenhar-se um espaço trans-fronteiriço denominado a euro-região Galiza-Norte de Portugal.
Nesta conjuntura histórica resulta de especial interesse recuperar o velho património cultural comum, que deve deixar de ser um património com formas coincidentes para ser cada vez mais um património de formas partilhadas.
Dito doutra maneira, a valorização da cultura oral galaico-portuguesa pode ser um caminho importante para reforçar uma relação inevitável por imperativos históricos, além de facilitar a projecção desta área em âmbitos europeus e universais."

Por um Patimónio Imaterial Galaico-Português a Património Mundial

Existe uma grande falta de conhecimento acerca do Património Imaterial/Cultural Galaico-Português, pelo que transcrevo aqui alguns textos da página oficial da candidatura, para que se divulgue este Património tão próprio e comum a uma região, que se completa, apesar das fronteiras politicas impostas.
Espero conseguir completar, num curto espaço de tempo, esta informação, com algum contributo sobre a cultura musical Galaico-Portuguesa.
Dia 25 de Novembro é a data da resolução da UNESCO, a candidatura ainda vai ser apresentada em Paris.
MT

Tuesday, July 26, 2005

Quem sou eu?

Quem sou eu?
Sou formada por uma gota de morte,
Que escorre do imenso copo que embala a vida,
E um desejo ardente de conhecimento.
Sou o fruto daquilo que querem que eu seja,
Mas faço vos acreditar que sou
Tudo aquilo que quero ser.
Sou a louca racional,
E como tal,
Cientista da minha própria loucura
Sou apenas o animal que acredita poder pensar
E que vive a ilusão da realidade.

MT

Wednesday, July 13, 2005

Madrugada

Sopra o vento que vem de leste, suave na madrugada, os primeiros raios de sol começam a aparecer no horizonte, quero ficar aqui para sempre neste lugar, quero congelar este momento para sempre. A lua vai-se apagando, lentamente, num céu que vai teimando em esconder as estrelas, uma por uma.
Sei que é um momento, que nunca mais se repetirá, pelo menos nos mesmos moldes, outros “nascer do sol” vão existir, mas mesmo que volte ao mesmo lugar nunca mais será igual, porque eu já não serei a mesma.
Deito-me no chão a tentar encontrar forma nas nuvens. Escondo-me do mundo, fico mergulhada no silêncio apenas cortado pelo chilrear dos pássaros.
Ao ser chamada à realidade parece-me que fui acordada de um sonho que se vai desfazendo a pouco e pouco. Acabou, tenho que me ir embora, enquanto nos afastamos no carro, o silêncio ainda me rodeia, os pensamentos flúem numa rapidez atroz.
Provavelmente deveria ir para casa dormir, mas estou tão absorta naquele mundo mágico, que optei por passear na cidade que começa a acordar.
É engraçada a maneira como as cidades vão mudando de ambiente ao longo do dia.
Percorro a calçada, passo por debaixo das arcadas e começo a sentir os cheiros da manhã, começo a ouvir o ruído do trânsito que até à pouco era inexistente… vou-me sentindo viva, mas, ao mesmo tempo, espectadora de um mundo que não é o meu, a cidade que conheço desperta mais tarde, é mais agitada, o prazer que se retira ao inspirar o ar da manhã é desconhecido na “minha” cidade.
Consigo reparar em pormenores que nunca reparei, das janelas, os batedores das portas, que são quase todos diferentes, o desenho dos varandins, ou até mesmo os altares escondidos nas paredes, definitivamente a cidade é mais rica a esta hora.
Entro na Sé, e deixo-me ficar ali, sozinha envolta no silêncio, em algumas ocasiões deixo até de pensar, fico simplesmente quieta a desfrutar. Passam-se horas, o órgão da catedral começa a soar aumentando o mistério de todo a ambiente, tenho a sensação de estar refém de um tempo que não é o meu, com toda a estranheza que daí advém. Deixo-me ficar.
De volta, passo pela Universidade, e fico sentada nos claustros a ouvir a água que corre na fonte, pensando nos bons tempos que ali passei, vou dizendo “bom dia” às poucas pessoas que por ali vão entrando, vou para casa de alma renovada e com força e vontade para aguentar mais uns tempos nesta cidade estranha, que não é a minha, mas que me provoca arrepios e sentimentos únicos, sei que por mais voltas que dê, a minha vida, por mais longe que me leve, Évora vai ser sempre Évora, com a força e esperança que representa para mim, afinal é o meu ponto de partida e o meu porto seguro.

MT

Tuesday, July 12, 2005

Silêncio

Os pensamentos viajavam à velocidade da Luz. Naquele instante não sabia que fazer, a discussão tinha sido feia, ele saiu e bateu com a porta, a incógnita era se alguma vez o voltaria a ver.
A capacidade humana de humilhar o próximo é algo que me ultrapassa, a defesa da nossa verdade e o sentimento de posse são verdadeiras facas numa relação.
Não sei o que nos aconteceu, como nos fomos aniquilando enquanto seres, não faço ideia.
Racionalmente consigo ver onde errei, mas não posso admiti-lo verbalmente, nunca consegui, sempre fui péssima a falar dos meus sentimentos, incapacidade ou cobardia, chamem-lhe o que quiserem, a realidade é: não consigo! É algo que me ultrapassa, tal como uma onda na zona de rebentação, ou saltas ou ficas enrolada, optei sempre por saltar, penso sempre que o que perco é pouco, comparado com tal humilhação, aquela sensação de me sentir pequena perante outro ser humano. Em vez disso, tento sempre passar a ideia de alguém que não chora, que é forte, que suporta tudo, o que no fundo não deixa de ser verdade, normalmente quanto mais forte é o impacto, mais forte é a reacção, tenho alturas de quebra como toda a gente, nessas alturas apetece-me voltar a ser menina pequena, que se senta ao colo, para que lhe dêem mimos…mas já não sou.
E naquele dia, sentia-me verdadeiramente pequena, a bem dizer, nem sei como tudo começou, acho que na realidade já tinha começado uns meses antes, mas com o peso da rotina, nem nos demos conta.
Foi o terminar de algo que nunca devia ter sido iniciado, as diferenças eram mais que muitas, ele queria ser um homem responsável, com um emprego das nove às cinco, e eu queria ser a menina que não precisa nunca de crescer, queria viver a minha juventude, queria percorrer o mundo, conhecer outras experiências…tenho medo do estável. A minha vida tem de ser uma eterna corda bamba, para sentir que estou viva, que me é possível viver, e ele como já tinha passado por tudo isto, não compreendia.
Na verdade, a minha ânsia por novos conhecimentos é tal, que se pudesse recomeçar, a minha vida, faria tudo diferente, não porque me arrependa de algo, mas porque uma vida é pouco para conhecer tudo o que gostaria. Tenho noção que o tempo já começou a esgotar--se e que existem coisas que nunca irei conseguir fazer.
Penso que se calhar até foi um alívio vê-lo sair por aquela porta, voltei a reconquistar a meu mundo, o meu espaço, as minhas coisas, mas principalmente o meu silêncio, um silêncio que para mim não tem preço, o meu pequeno tesouro.
Ele um dia disse-me, “se um dia tiveres de escolher entre mim e o mundo lembra-te, se escolheres o mundo ficas sem mim, se me escolheres a mim eu te darei o mundo”
A verdade é que ninguém me pode dar o mundo, o mundo para ser meu tenho que conquistá-lo, e é o que eu pretendo fazer.

MT

Friday, July 01, 2005

Ausência

Silêncio. Hoje em dia já só escuto silêncio. Aquele silêncio soturno dos prados vazios. Corro e grito à procura da tua voz. Não está. Nunca está. Choro. Solidão. Encontrei apenas solidão.
A solidão que enche o coração vazio, cheio de dias que tardam em chegar. Revolta. Aquela revolta que nos unia, e que já não preenche os finais de tarde. Saudade. Saudade dos tempos em que fui compreendida, saudade de compartilhar emoções, saudade do riso, saudade de ser eu, saudade do tempo em que vivi.
Partiste. Ao partires levaste-me contigo. Morri. Hoje em dia apenas encaro o mundo como uma mera espectadora, um zombie. Não sinto nada.
Quando um dia te puder ir visitar, quando um dia conseguir sair desta jaula chamada vida, vou falar. Falar o acumulado que trago dentro de mim. Transparente. Hoje em dia sou transparente aos olhos do mundo, ninguém me vê ou ouve. Fujo. Fujo sempre que posso. Fujo na esperança de te conseguir encontrar algures num lugar longínquo.
Falo de ti. Sabias? Falo muito de ti. Maneira única de te manter vivo. Fazes-me companhia assim, a minha única companhia. Canto. Canto muito, desabafo, sem que ninguém perceba o que estou a dizer. Dói. Dói muito a espera de poder cantar.
Encontrei há dias um amigo teu, olhou, sorriu, baixou os olhos e seguiu em frente, ao fim de tantos anos ainda não conseguimos falar do que te aconteceu. A tua mãe chora quando me vê, confesso que também não consigo conter as lágrimas, cada uma de nós olha para a outra com a esperança que tenha o poder de te trazer de volta. Não temos. Ninguém tem.
Às vezes pergunto-me se me vês. Se sabes o que me vai acontecendo, se te ris comigo, se sofres comigo. Ter uma resposta a estas perguntas tornaria tudo mais fácil.
Gostava de saber o que fazes, se continuas a assistir o pôr-do-sol, religiosamente todas as tardes, se ouves música…penso sempre em ti.
Arrependo-me. Arrependo-me por vezes de tudo aquilo que não te cheguei a dizer, porque não houve tempo. Mas penso que o sabes.
Sim, lembro-me de tudo o que te prometi, mas cada vez é mais difícil cumprir essas promessas sem a tua ajuda.
O que dói mais no fundo, é o não te poder dizer: Até logo!
MT

Thursday, June 02, 2005

Poesia



Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, seria mais relaxado.
Seria mais bobo do que fui;
na verdade encararia muito poucas coisas com seriedade.


Seria menos higiênico,
correria mais riscos,
faria mais viagens,
contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais em rios.


Iria mais a lugares a que nunca tivesse ido.
Comeria mais sorvetes e menos verduras.
Teria mais problemas reais e menos imaginários.


Eu fui dessas pessoas que viveu sensata
e corretamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.


Mas se eu pudesse voltar atrás,
procuraria apenas ter bons momentos.
Se não sabem, disso é que é feita a vida,
somente de momentos. Não percam o agora.


Eu fui uma dessas pessoas que nunca ia a parte alguma
sem levar um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um esparadrapo;


Se pudesse voltar a viver,
viajaria mais levianamente.
Se pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no princípio da primavera
e seguiria assim até o fim do outono.


Daria mais voltas na calçada,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria mais com as crianças;
se tivesse outra vez a vida pela frente ...

Mas já se vai, tenho 85 anos e estou morrendo.


Jorge Luis Borges

Thursday, May 05, 2005

Cenas da Vida e da Morte de um Músico Figueirense


David de Sousa



Uma carta do Músico ao seu amigo João Carlos Ferreira, datada de 31 de Dezembro de 1915.

“Meu bom amigo,

Vou escrever-lhe agora respondendo à sua última datada de 29 do mês passado.
O Hernâni está a estudar de Chopin os estudos, de Bach o Concerto Italiano, e já deu as três sonatas de Beethoven mais conhecidas, o professor dele chamasse Teichműller, eu tenho para amanhã o 1º andamento do 4º concerto que dou o Klengel e uma sonata de Bach que é a 3ª que estudo, não imagina o meu bom amigo, não fazemos outra coisa que tocar, há dias em que me levanto da cadeira que nem sinto o sim senhor do assento, os nossos professores acostumados a que nós levássemos mais do que eles diziam, agora carregam na dose, calcule o meu amigo João que além destas peças para estudar no curto espaço de 8 dias ainda me mandou levar dois estudos dizendo: talvez tenha tempo de os tocar com dois golpes de arco cada um = imagine que estupenda licção que estes meninos passam agente… entretanto espero amanhã espero dar uma boa licção porque o meu professor gosta que se lhe leve as peças de memória e o andamento do concerto já está na cachimónia.
Felizmente a minha mulher está em Lisboa, mas não se cansa de me arreliar mesmo por carta. Imagine meu amigo que recebi de mesada 240 markos pois tive de mandar à minha pobre mãe alguma coisa e é claro para a minha boa mulher de forma que depois de pagar a hospedagem e as licções fiquei com a enorme importância de 3 pfenings!!!!
O que me vale é o Hernâni que tão meu amigo tem sido.
Fiz outro dia uma gavottezinha assim que a arranjar para sexta lha mando, desculpe mas por enquanto não tenho conhecimentos para outras peças, ando a estudar composição com o Hernâni e assim que tiver os conhecimentos precisos então lhe farei uma peça de folgo se o talento me ajudar.
Quando a ensaiar se ela lhe parecer feia ou tiver reminiscências d`outra qualquer, faça d`ella o que lhe aprover = até fiz verso=
Cá vou andando aborrecido, triste e sem cheta (cheta alemã é claro) e constantemente em sobressalto pensando que a minha santa mulher me apareça d`un dia para o outro. A canção que eu cá tenho mando-la assim que tiver massa porque ella é sua, a outra música de quem sou pai ( e mãe incógnita) chamasse Badinage ( se não m`ingano) é uma que tem uma passagem para a vida que o cachicho tocou no sextetto que ensaiava na sua loja para o Avenida Palace, lembrasse? Quando poder mandal-a faz-me favor porque eu simplificol-a e arranjo-la para orquestra porque depois envio-la.
Adeus meu bom amigo recommende-me a seus pães, sua Ex.ma Senhora e a Manelesinha e o meu amigo creia-me sempre muito seu amigo, obrigado.


David”

Monday, April 25, 2005

Cultura e Educação


Esboços de um Pensamento Inacabado

De alguns anos a esta parte venho pensado bastante no papel da Arte em todo o processo educacional, ou melhor em quê que a cultura, a arte poderá impulsionar de um modo positivo a educação das nossas crianças.
A teoria é simples e nada complicada, a escola deve funcionar como uma orquestra, em todas as suas particularidades.
Pensemos então numa orquestra. Existem vários instrumentos, todos eles diferentes, os instrumentistas são provenientes de várias partes do globo, no entanto apesar de todas as diferenças entre instrumentos e instrumentistas, o conjunto em si é harmonioso e difícil de igualar em poderio sonoro. Porquê? Porque existe respeito, os músicos foram ensinados a ouvir outros instrumentos que não o seu, não existe um grau de importância, todos têm o seu papel, e a raça, a religião, os ideais políticos do seu colega do lado nada interessam, o único que seguem é o maestro, porquê? Porque o seu papel é superior a isso, músicos e maestro estão ali para homenagear o compositor, e só o poderão fazer em conjunto.
Ora, se as crianças numa escola fossem ensinadas a ter o seu papel no sistema de ensino, a não serem meras espectadoras, a poderem optar pelo “instrumento” que mais gostam, a serem respeitadas e a repeitar quem as rodeia, a seguir, lado a lado, com o professor para, juntos, atingirem a meta do conhecimento...
Infelizmente, existe uma realidade muito diferente nas nossas escolas, e um pouco por todo o globo. Porque não motivar as crianças para a escola, a não desistirem de estudar, tornar a escola um lugar agradável para além do intervalo? Como fazê-lo? Através da Arte, criem-se clubes ou mesmo aulas artísticas dentro da escola, vocacionadas para esses miúdos que não podem pagar escolas particulares mas que têm algum talento, dêem-lhes a possibilidade de experimentar dança, pintura, escultura, fotografia, música e teatro, não só o conhecimento escolástico tradicional das áreas mas também a sua vertente mais moderna, nem todos vão ser “Nureyeves”, “Rembrants”, “Mozarts” ou “Laurence Olivier`s” mas se calhar retiramos mais um miúdo das ruas.
Artisticamente ensinamos os miúdos a trabalhar, como um músico da orquestra, sem olhar a credos, raças, politica, etc…porque não é possível fazer arte com intolerância.
Não acredito naqueles que dizem que não há esperança no futuro, eu penso que o futuro é a nossa única esperança.
Acredito que com a ajuda da Arte podemos ensinar às crianças a construírem um mundo efectivamente melhor.
As ideias estão um pouco avulsas, mas tal como o título indica são pensamentos, ainda, inacabados.

Sunday, April 24, 2005

O primeiro

Andando, andando, andando sem parar
Ambos, se bem que vivos, sempre separados.
A distância entre nós? Não tem fim,
Cada um numa ponta do céu.

O caminho é tão longo, e bem perigoso.
Tornaremos a ver-nos, quem o dirá?
O cavalo tártaro fia-se no vento norte,
O pássaro do sul tem ninho nos ramos austrais.

Quanto mais se afasta o dia que nos separou,
Mais se faz largo à cintura do meu cinto.
Que nuvem flutuando, encobre o claro sol,
Para que o homem, errante, renuncie ao regresso?

De tanto pensar em vós, envelheci mais cedo.
De repente, toca o crepúsculo, a minha vida.
Mas porque falo tanto de mim, eu,
Cuidai é de vós!


Anónimo Chinês


* Este é o primeiro dos «Dezanove Poemas Antigos». São umas das obras-primas do tempo dos Han, e que teve enorme influência na poesia chinesa.