Thursday, April 13, 2006

Os primeiros vinte anos do século XX

Movimento Académico em Lisboa (1907)


O tema do mês de Abril vai ser: Os primeiros vinte anos do séc. XX.
Porquê? Porque eu gosto da época, porque me fascina, porque quero conhecer mais e a vários níveis.
Não sei por onde vou abordar, sei que serão textos com este âmbito.
Espero que se divirtam. Já sabem estou completamente receptiva às vossas propostas.
Para iniciá-lo da melhor forma deixo- vos com um poema de Teixeira de Pascoaes.

Escritor:

“Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos (1877-1952), que nas letras assinou com o nome do lugar que povoaria de sombras toda a sua obra, nasceu em S. João de Gatão, estudou no Liceu de Amarante e na Universidade de Coimbra (1869-1901) de onde saiu "bacharel à força" apto às lides forenses. Principal mentor do movimento da Renascença Portuguesa (1912), cuja voz (A Águia) dirigiu até 1916 - apostolando a filosofia da saudade, entre a lembrança e o desejo de um "regresso ao paraíso" que só ele logrou pressentir - homiziou-se, depois, à vista do Marão, onde incessantemente revisitou e deu à luz uma extensa obra que, ainda hoje, apenas se insinua por detrás do seu "verbo escuro".”

Eu tive a oportunidade de conhecer mais de perto Teixeira de Pascoaes através de alguns dos seus familiares ainda vivos, e devo-vos dizer que me deparei com uma pessoa com um sentido de humor apuradíssimo, algum mau feitio e um vicio do tabaco que o conduziria à morte, muito distante do retrato que lhe pintava, enquanto lia o seu trabalho. Espero que gostem.


CONFLITO


A vida é não e sim... É realidade
Que num fumo ilusório se dissolve
E uma ilusão que se condensa em mármore...
E bato com a fronte em névoas que aparecem
Como brutos penedos, e em penedos
Que, diante de mim, se esvaem como névoas.
Falo às sombras nocturnas. Interrogo
As pobrezinhas cousas da Natura,
Mortas recordações da Luz divina...
Quero entender os íntimos murmúrios
Do zéfiro da tarde, e os trágicos remorsos
Que o vento grita às árvores contorcidas,
Num desespero doido!

Quero atingir as formas invisíveis!
Sentir, cheio de medo e num encantamento,
O contacto das almas que me cercam
E desceram, cantando, a Luminosa Via...

Quero sentir, nas mãos, a pequenina estrela
Que se ri para mim, do fundo de uma lágrima!
Quero roubar ao sol um fio de oiro, e à lua
Um cabelo de prata,
E uma negra madeixa à noite maternal
Que já me trouxe ao colo,
E me deu de mamar o leito que alimenta
As sombras e os espectros, quando nascem.

Exalto-me de amor e desfaleço!
Caio por terra e fico adormecido...
Sonho que estou cantando e canto nos meus sonhos
E imagino cantar, no mundo, à luz do sol...
E no meu canto vou levado, como as nuvens
Nos ais que o vento dá...

E vou na minha voz que se comove
E comovida alcança as últimas estrelas,
Donde já se descobre o riso madrugante
Da Luz original que mana duma fonte
Que só os poetas ouvem murmurar.

Lá vou na minha voz, a voz dum sonho etéreo,
Desenhando no lívido silêncio
Não sei que estranha e lívida figura,
Na qual todo o meu ser, de longe, me aparece
E, olhando-me, não sabe quem eu sou.

Tudo o que em mim é clara realidade,
Desconhece o meu ser lendário; não entende
O sonho que me fala
E me deixa hesitante, a procurar-me
Entre uma aparição em que padeço e vivo
E uma aparência vaga em que me sinto morto.

Eu ouço-me falar e fico atento a ouvir...
Exclamo: - sim! Logo respondo: - não!
Sou e não sou! Aflito, me debato
Nesta incerteza! De repente, existo!
De súbito, faleço, como o arcanjo
Que, nas nuvens oculto, apenas mostra
Do seu perfil um lívido sorriso
E do seu corpo as asas de relâmpago.

Sou e não sou. Duvido e creio. Vivo
E jazo, dentro de mim,
Neste velhinho túmulo onde a sombra
Se foi acumulando e empedernindo
E modelando no meu próprio busto.

Repouso e a noite estende-me os seus braços.
Acordo e tenho medo! Vejo, em tudo,
O espectro do meu sonho, imagens mortas,
Almas de Deus que a dor petrificou,
Árvores que foram ninfas e uma terra
Toda cinza de extintas labaredas.

Sou e não sou. Duvido e creio. Rezo,
A voz elevo em orações de lágrimas,
E caio num silêncio que separa
Dois gritos, dois relâmpagos de dor!
Creio e descreio. Nego Deus e encontro-me
Abandonado, como tu, Lucrécio,
Num deserto infinito onde as estrelas
Brilham, de noite, como areias de oiro.

Abala-me um terrível desespero!
Sou fogo em que me queimo! Não sou mais
Que um fantasma perdido e condenado
A errar, na solidão, perpetuamente.
Chamo em voz alta por alguém. Apenas
As cousas me contemplam, como estátuas
Da morte e do silêncio.

Mas por divina graça misteriosa,
Julgo que nelas transparece, às vezes,
Não sei que imagem sobrenatural...
Inefável encanto a ganhar vulto
De etérea aparição...
E como as nuvens choro, e como as nuvens
Dir-se-á que me dissipo e me converto
Em transparência azul, onde se vê surgir
Meu íntimo perfil que se ilumina,
Tão alegre e tão vivo que parece
Todo esculpido em oiro amanhecente.

Sinto-me deslumbrado e creio em ti, Senhor.
Ó alma, creio em ti, como nas Cinco Chagas!
Creio na vida eterna! Ajoelho e rezo,
Como rezava outrora, ao pé de minha mãe,
Quando as Ave-Marias do crepúsculo
Derramam, pelo ar,em lágrimas de bronze,
Uma saudade que anoitece o mundo.

Creio na alma eterna e creio em ti, Senhor!
Rezo na minha igreja, em frente dum altar,
Onde o Menino tem um cordeirinho ao colo,
E nos lábios em flor um místico sorriso,
E debaixo dos pés um astro luminoso,
Varrendo para longe as sombras que escurecem
As amplidões infindas...

Eu creio em ti, Menino Deus! Eu creio
Na tua infância eterna! A divindade
É infância e Primavera.
Creio num Deus que foi menino e teve mãe
Que num berço o embalou e acalentou nos braços...
E foi preso, julgado, escarnecido
E condenado à morte.

Eu creio em ti, meu Deus,
Ou deitado num berço pequenino
Ou pregado num trágico madeiro
Que na terra criou fantásticas raízes
E cobriu de flores...

Mas, súbito, entristeço, empalideço.
De novo, o meu espírito desvaira.
Um mau demónio me persegue. Vejo-o...
E em meus olhos se faz a noite escura,
Onde os astros se apagam, como as lágrimas
De madrugada, ao vento do Marão.

Sou e não sou. Duvido e creio. Grito,
Desenho a fogo o meu perfil nas trevas.
Rezo, esboçando a minha imagem triste
Na penumbra doirada que se orvalha
De pérolas acesas.

Rezo, blasfemo e grito. Sou demónio,
Sou anjo. Vou ardendo em labaredas,
E vou deixando, atrás de mim, um rasto
De cinza e de silêncio.

1 comment:

António said...

É um bom tema sobre o qual eu sei pouco.
Coincide com o fim da Monarquia e o início da República.
Durante esse período ocorreu a I Grande Guerra onde Portugal teve um papel activo, mas pouco feliz.
Iniciou-se a revolução Russa.
Ocorreram grandes progressos na ciência, na tecnologia e nas estruturas sociais.
E deixo que tu faças mais posts sobre o assunto.

Obrigado pela tua visita ao meu post sobre o nascimento do meu filho.

Beijinhos