Wednesday, December 10, 2008

Coisas que mexem com a caixinha das emoções

Transcrição de um texto escrito aqui ( Inês em NY):

O fim de uma era


"Há uma semana atrás morreu o paciente mais relevante para o estudo de memória e talvez para o campo das neurociências em geral. Henry Gustav Molaison ou H.M., como ele era conhecido para o mundo científico, sofria de graves ataques epilépticos que afectavam seriamente a dua vida normal. Por esse motivo, o seu médico sugeriu uma cirurgia radical e experimental, em que se removeria as partes do seu cérebro que originavam as ondas de hiperexcitabilidade celular que resultavam em epilepsia. Foi então que, aos 27 anos de idade, H.M. foi operado e ambos os seus hipocampos foram removidos. A primeira consequência de relevo da operação foi que os seus ataques epiléticos desapareceram. Dir-se-ia que a operação foi um sucesso. Contudo, H.M. deixou de ser capaz de formar novas memórias. Lembram-se de Memento? É mais ou menos isso... A perda desta capacidade deu-se sem qualquer influência noutras capacidades mentais: o seu QI não se modificou, não houve decaimento da sua eloquência verbal, a sua memória para eventos e factos aprendidos antes da cirurgia estavam intactos, a sua memória motora estava intacta, etc... Isto significa que H.M. era capaz, por exemplo de aprender uma determinada sequência de movimentos (por exemplo, andar de bicicleta, se ele não soubesse anteriormente), mas não teria qualquer memória de o ter aprendido ou de o saber fazer. Qualquer experiência que se seguiu, evaporava-se. Uma das histórias que se conta é que a família se mudou para uma casa diferente uns anos após a operação e H.M., se deixado sozinho, voltava sempre para a casa anterior. Isto acontecia tão frequentemente que os novos habitantes da casa já o conheciam e tinham o número de telefone da família para os chamar quando ele lá ia parar... A investigadora Dr. Brenda Milner, que o seguiu durante estes 55 anos, tinha que se apresentar cada vez que o via. Contudo, ele tinha noção do que lhe tinha acontecido e de que não podia formar novas memórias, por isso, normalmente ele dizia "Desculpe se já nos apresentámos anteriormente, mas a minha memória não é nada boa".

Este foi um paciente único na história da humanidade (ninguém repetiu a operação quando se descobriu os "efeitos secundários"). Pela sua importância e porque é o fim de uma era, aqui fica a minha singela homenagem a alguém cuja infelicidade é a base da minha (e de muitos outros) carreira científica."

Será que conseguimos imaginar o que seja a vida assim? Uma vida sem memória? Dá que pensar...

2 comments:

XR said...

50 first dates; 50 first kisses; milhares de coisas que doeram e que poderiam desaparecer. Benção ou maldição ?

Tamia said...

wow... que história...