Morreu György Ligeti.
Fica aqui o meu testemunho sobre a vida de um grande compositor, um dos que mais admiro.
György Ligeti nasceu a 28 de Maio de 1923 em Dicsöszentmárton, que actualmente se chama Tirnaveni, uma pequena cidade na Transilvânia que pertence à Roménia desde 1920.
A família do compositor era judaica húngara, facto que o vai marcar durante a II Guerra Mundial.
Com a mudança de residência, para Koloszvar, abrem-se as portas da cultura para o jovem György, começa a frequentar o meio musical da cidade.
Chegada a fase de optar por uma via profissional, Ligeti, vê-se no meio de um impasse, em que seria o destino a fazer a opção por ele, seguiria Música ou Física? No entanto a presença Nazi na Roménia iria ser decisiva, apenas existia uma vaga para Física para alunos judeus e Ligeti não a conseguiu. Não obstante quem conhece a obra de Ligeti percebe perfeitamente que a paixão pela Física manteve-se ao longo da sua carreira, irá utilizar sistematicamente recursividade, fractais, a teoria do caos e outros conceitos físico-matemáticos.
Em 1944 o Nazismo volta a fazer das suas ao jovem Ligeti, e este tem de servir o exército bem pertinho do final da II Grande Guerra, enquanto a sua família era levada para os campos de concentração de Bergen-Belsen e Mauthausen, onde viriam a falecer o pai (violetista) e o irmão (violinista), embora a sua mãe consiga sobreviver em Auschwitz.
Naturalmente, estes anos marcaram imenso o compositor que sendo de trato bastante afável dizia que transportava em si “um ódio imenso”. Um sentimento que aumentará com a ditadura comunista, da década de 50, e que se vê expressa em obras como o Requiem de 1965.
Sob o governo de András Hegedüs, a Hungria passa pela "restalinização", sob o signo da colectivização compulsória e do terror da polícia secreta.
À semelhança do Nazismo, o regime comunista condena a Música Moderna, e Ligeti torna-se então persona non grata para o partido, ao apresentar uma música de Stravinsky aos seus alunos.
Ao ouvir na rádio Gesang der Jünglingen de Karlheinz Stockhausen, esta fá-lo descobrir um mundo de possibilidades musicais para além da Cortina de Ferro, ao mesmo tempo que lhe confirmava o exílio em que ia vivendo.
A frustração após o fracasso da revolução anti-soviética de 1956, que se juntou ao sufoco intelectual e pessoal faz com que Ligeti fugisse para a Áustria.
Pouco depois é convidado a trabalhar com Stockhausen, Eimert, Luciano Berio, Luigi Nono e Pierre Boulez entre muitos.
Ligeti fez parte da nata da música moderna europeia e ombreou entre os primeiros.
Segundo Augusto Valente:
“Um dos enigmas do homem György Ligeti é sua capacidade de evoluir sempre, porém mantendo-se fiel às suas paixões originais. Pois o interesse por mundos artificiais já se manifestara na infância, quando ele inventou Kylwiria, um reino imaginário, com um mapa, língua e história próprias.
Ainda adolescente, a caminho da aula de piano, Ligeti imaginava uma música estática, porém sempre em movimento. Um ideal que ele reencontrará nas obras medievais e que perseguirá de diversas formas em suas próprias composições. Certa vez, ele comparou a música a alguém que contempla o mar através de uma janela. O que o compositor faz é abrir essa janela. Quando ela é fechada, a música continua lá. Uma nobre utopia, da qual esse compositor pan-europeu consegue se aproximar como ninguém.”
Ligeti morreu ontem, Viva Ligeti!